terça-feira, 11 de agosto de 2020

A Ação Social e o Cristão

 A AÇÃO SOCIAL E O CRISTÃO

 

1 Seja constante o amor fraternal.

2 Não se esqueçam da hospitalidade; foi praticando-a que, sem o saber alguns acolheram anjos.

3 Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que estão sendo maltratados, como se fossem vocês mesmos que o estivessem sofrendo no corpo.

4 O casamento deve ser honrado por todos; o leito conjugal, conservado puro; pois Deus julgará os imorais e os adúlteros.

5 Conservem-se livres do amor ao dinheiro e contentem-se com o que vocês têm, porque Deus mesmo disse: "Nunca o deixarei, nunca o abandonarei".

6 Podemos, pois, dizer com confiança: "O Senhor é o meu ajudador, não temerei. O que me podem fazer os homens? "

Carta aos hebreus 13:1-6

 

Ao observarem-se genericamente os aspetos das ações sociais em nossos dias, perceberemos com clareza que estas incidem basicamente em três áreas: a solidariedade (incluindo a distribuição de recursos financeiros em programas sociais governamentais), as minorias (que incluem indígenas, negros e as questões de gênero) e a luta contra a violência (incluindo nela, a defesa da mulher, da criança e dos excluídos).

Esses são os tipos de manifestações sociais mais vistos nas campanhas do Governo, das ONG’s especializadas e da militância em geral que trabalha nestes temas. Óbvio que existem outras temáticas, mas não causam o mesmo impacto social, político e por vezes marqueteiro de quem a batalha nessas frentes. Em todos esses movimentos há realidades legítimas a serem tratadas e ações concretas a serem implementadas, mesmo por força da Lei.

Embora essas agendas sejam importantes, elas não são as únicas que deveriam permear a mente dos cristãos. No texto escolhido aponto sete áreas de ação social que são ordenadas nas Escrituras para delas nos ocupar. Isto significa que para o genuíno cristão, as questões sociais são extremamente importantes, mas não são ditadas pela agenda criada na Academia, na sociedade ou na mídia. Nossas ações são ditadas pela agenda da Escritura com todas as suas particularidades.

Analisemos a seguir a agenda social do cristão revelada nas Escrituras Sagradas e ao final, iremos perceber que somos ordenados a ir além do óbvio, do midiático, do senso comum e do “urgente” que se apresenta todos os dias. As ações sociais cristãs são de longo prazo e voltadas não somente para auxiliar o indivíduo em sofrimento, como para transformar sua maneira de viver, levando-o a um nível que chamamos de verdadeira liberdade. Vamos a elas.

 

Amor Fraternal

Essa palavra se refere ao amor que vai além de declarações vazias faladas mecanicamente com o intuito de agradar ou tirar proveito de alguém. Esse amor não é somente um sentimento interior “platônico” que nada faz ou realiza em relação ao outro. Tampouco é o amor que erroneamente pode ser confundido com atração sexual entre as pessoas. O amor fraternal é a ação concreta na direção do alvo deste amor que pulsa dentro de uma pessoa em relação à outra. Amor fraternal nos leva a agir sem buscar recompensas ou gratidão dos que foram beneficiados por ele. É do amor fraternal a famosa frase: “quem ama cuida”, e isso vai além de um desejo particular ou de carências emocionais egoístas.

 

Hospitalidade

É certo que a maioria das pessoas não sabe que a hospitalidade seja uma questão social. Pensam diferente sobre esse assunto. Alguns não se imaginam sendo hospitaleiros num mundo perigoso como o de nossas grandes cidades nem a parentes, quanto mais a desconhecidos. Mas aqueles que, como eu, tiveram que abrir suas casas a pedidos de amigos de outras nações a pessoas que não conheciam e só vinham com a recomendação do outro, sabem o que a hospitalidade significa. Abrigar pessoas em trânsito, com os devidos cuidados e recomendações, em alguns casos pode se tornar uma experiência libertadora. Existem pessoas maravilhosas no mundo que nem imaginamos, elas parecem-se com “anjos”.

 

As Prisões

Para a população em geral a prisão é um lugar para depositar criminosos, gente perversa e os que rejeitaram a vida pacífica em sociedade. Não se importam com o que acontece por trás daqueles muros altos, porque nenhum dos seus está ali. Isso não é um convite a olhar um assassino cruel ou estuprador com “bons olhos”, mas um convite a valorizar a vida humana, mesmo que o criminoso não a tenha valorizado. Saber o estado dos presos e como será a sua reinserção na sociedade de forma produtiva e pacífica é de extrema importância. Trabalhar por melhores condições de se manter um prisioneiro em seus direitos básicos é ação social. Acredito que se fizéssemos o exercício mental de nos colocar no lugar de alguém preso, não importando o crime que cometeu, iriamos nos preocupar com o que acontece com eles, pois, pelo fato de não termos prisões perpétuas, eles voltarão às ruas e à nossa vizinhança. E depois?

 

A Violência

Os dados da violência no Brasil e no mundo são assustadores, é só acessar a internet e procurar pelos Mapas da Violência[1] dos últimos anos, eles estão disponíveis a qualquer pessoa. Violência contra a criança, contra a mulher, o idoso, contra gêneros, contra imigrantes, contra as minorias, contra raças, gerada pelas drogas, pelo álcool e tantos outros causadores dela, são noticiados diariamente nos telejornais, rádios e portais online. É impossível hoje, assistir um programa de notícias, sem que a violência seja retratada em algum nível. Se o número não sabido de pessoas de todas as idades que são maltratadas a cada dia, somados aos conhecidos fossem levados à corte, é possível que os tribunais não se ocupassem de mais nada por muitos e muitos anos, deixando de julgar quaisquer outros casos. Somos ordenados a nos mover em direção aos maltratados como se estivéssemos em seu lugar.

 

O Casamento

Outra coisa que não é alvo das ações sociais comuns: o casamento. Ao contrário disso, o casamento tem sido vituperado e desprezado cada vez mais, seja pelo número crescente de divórcios[2], seja pela mudança nos paradigmas que permitem que qualquer tipo de família seja constituída[3]. Não sou juiz ou parlamentar e também não atuo na defesa do casamento pós-moderno, mas tenho minhas opiniões formadas acerca desse assunto. Ainda hoje se sabe e se aprende que a família é a célula básica da sociedade, ninguém discute isso, apenas que as definições de família têm sido constantemente forçadas a mudanças de acordo com os desejos dessa atual geração de pessoas que perderam seu alicerce na família tradicional. Mudando o conceito de família, é claro que se altera o conceito de casamento, pois um forma o outro. Muitos estudiosos têm analisados os dados da violência, da violência familiar, das drogas e da criminalidade e, têm erroneamente em parte atribuído essas coisas à falta de educação, mas isso é uma conclusão parcial. É preciso ter a coragem de nadar contra a maré e contra o que chamo de senso comum acadêmico e dizer que a mudança à qual a família tradicional foi forçada nestes últimos tempos também é a causadora desses prejuízos sociais que analisamos e verificamos hoje. Isso é fato.

 

O Sexo

A intensa exposição sexual a qual a sociedade e as crianças estão submetidas no último século chega a ser doentia. As taras e os desvios sexuais nunca estiveram tão evidentes. Os crimes sexuais estão em vertiginosa ascensão[4]. Falar disso não é atentar contra a psicologia ou contra a liberdade das pessoas, nem tampouco manter tabus dos quais os cristãos e religiosos são continuamente acusados. O fato deve ser visto e percebido pelo próprio fato, ou seja, os crimes sexuais têm aumentado e os motivos não são apontados, por quê? Porque alguns sociólogos e psicólogos não querem se expor quando tiverem que mencionar as possíveis causas desses crimes, que vão além das doenças mentais. Existem doenças mentais incluídas nesses crimes, é óbvio, mas em minoria[5]. O meu desejo não é fomentar um puritanismo extremistas (que não aceita o prazer sexual como criação divina), todavia, permitir uma libertinagem sexual hedonista[6] sem limites é igualmente prejudicial. Muitos olham para Roma, Grécia e outras nações do passado e querem resgatar os comportamentos sexuais delas, mas se esquecem que estas não existem mais como no passado, e se não tivessem mudado, há muito teriam desaparecido. Precisamos nos empenhar para ter uma posição clara em relação às questões sexuais e defender essa posição, mesmo que pareça ultrapassado na mente de alguns.

 

Avareza

São fatos conhecidos por todos os que leem que o mundo capitalista (o Ocidente) passou por basicamente três grandes períodos de recessão e quebra de suas bases de sustentação que comumente foram chamados de “crises”: em 1929, nos anos 70 e em 2008[7]. Na busca dos motivos que geraram essas crises foram encontrados muitos fatores como, a questão do petróleo, as políticas internacionais estremecidas, importações e exportações desniveladas, preço do dólar, supervalorização dos bens e imóveis e até a extrema confiança nos sistemas capitalistas, mas raramente tocou-se no ponto nevrálgico das crises: a ganância de homens que detinham e detém o poder sobre o dinheiro e os negócios no mundo. Não se trata de uma história de teoria da conspiração, mas a ganância, a avareza, o desejo pelo poder são os causadores de grandes estragos na vida de famílias inteiras e de nações. A História tem muito a nos dizer sobre isso desde que os impérios foram formados. O “amor” doentio pelo dinheiro e por controle é a causa de guerras, genocídios e de muitas atrocidades no mundo. A permissão governamental de aplicação de juros desmedidos e abusivos por contratos de todos os tipos, bancários ou de outra ordem, contra os seus cidadãos e a prática liberada de política de preços, deixando esse controle apenas pela concorrência dos setores, é sancionar a ação da avareza atingindo o fruto do trabalho das pessoas que ficam indefesas. É preciso lutar contra toda a forma de opressão monetária ou de sistema financeiro que amplie exponencialmente cada vez mais o abismo social entre pobres e ricos. Lutar contra a avareza ou ganância é procurar uma justa distribuição de renda e recursos entre todos os habitantes de um país. Sempre existirão ricos e pobres, é fato, mas as distancias devem ser diminuídas a cada geração.

 

Conclusão

O autor da carta aos hebreus encerra esta perícope declarando que não devemos temer os homens porque o Senhor Deus estará nos ajudando nestas lutas. Creio que ele afirma isso porque ao se empreender essas batalhas, o comum são as ameaças, o perigo pessoal e familiar que alguns podem sofrer e as acusações ou processos jurídicos injustos que podem recair sobre esses lutadores. Os verdadeiros culpados poderão buscar expor intimidades, erros, pecados antigos desses guerreiros da justiça e lançá-los ao vento da mídia na tentativa de desacreditá-los e de paralisar as ações contra eles. Só para citar um exemplo, na revista Época, uma reportagem sobre as irregularidades na Fundação Banco do Brasil, levou a administradora de empresas Maria Suely Fernandes, que denunciou essas irregularidades a sair de Brasília, morar em outro estado por causa de ameaças contra si e seu filho e viver com medo a ponto de não dar entrevistas sobre o assunto[8]. Esse muitas vezes é o preço que um lutador social vai pagar por se insurgir contra o sistema opressor, mas ele não está só, há outros, muitos outros que pensam iguais a ele e ainda pode contar com a ajuda de Divina para lhe dar força e coragem para continuar essas guerras.

 

© Carlos Carvalho

Teólogo, Cientista Social, Escritor, Jornalista, Pr. Sênior da Comunidade Batista Bíblica e Fundador da ONG ABAN Brasil.

 

Notas:

[1] Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/

[2] Divórcios no Brasil crescem mais de 40% em um ano, diz IBGE. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/12/divorcios-no-brasil-crescem-mais-de-40-em-um-ano-diz-ibge.html

[3] Novo modelo da família brasileira é discutido por especialista em Manaus. Disponível em: http://acritica.uol.com.br/manaus/Manaus-Amazonas-familia-brasileira-discutido-especialista-Manaus_0_982701759.html

[4] Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013. PDF. Disponível em: http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/anuario2013.pdf

[5] Mente que mata. Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/mente-mata-442855.shtml

[6] Hedonismo. Teoria que declara que o prazer é o valor mais elevado do homem. Dicionário de Ética. Editora Vida. 2005. p. 82.

[7] A crise estrutural do capital e sua fenomenologia histórica. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2012/09/21/a-crise-estrutural-do-capital-e-sua-fenomenologia-historica/

[8] A fiscal que fiscalizava. Revista Época. n. 798 de 9 de setembro de 2013. p. 46

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