No primeiro dia da semana cada um
de vós ponha de parte o que puder, conforme tiver prosperado [...].
Paulo
de Tarso
1
Coríntios 16:2
A sabedoria é um adorno na
prosperidade e um refúgio na adversidade.
Aristóteles
É necessário colocar algumas
coisas primeiramente em foco antes de nos ater ao propósito deste artigo. São
necessárias algumas considerações preliminares.
Primeiro lugar, Deus não criou a
pobreza ou projetou sua existência em nossas vidas. Assim como a morte, a
iniquidade, a corrupção, os homicídios, a perversão sexual e todos os males
morais que experimentamos na raça humana e a pobreza são resultados do pecado e
da rebeldia do homem contra a vontade de Deus.
A questão da pobreza, assim como
a dos outros males, são circunstâncias resultantes que são de nossa
responsabilidade cuidar e mitigar pelo simples fato que fomos nós quem as
geramos, direta ou indiretamente. Não é papel do Criador resolver esses males,
mas do ser humano, pois o próprio homem destrói, abusa, mata, corrompe e
escraviza o seu semelhante. A humanidade deve solucionar os problemas que ela
causa a si mesma e não o Ser divino. Deus não descerá do céu para resolver as
coisas que nós devemos resolver. Não se pode esperar algo assim.
Segundo lugar, a pobreza também é
um estado mental induzido e consolidado na mente de certas pessoas pela maneira
como foi registrado em seu consciente as definições sobre ela, pelo ambiente no
qual cresceu e como foram ensinadas sobre o oposto da pobreza, quais sejam, a
riqueza e a prosperidade pessoal. Muitos pensam, sem se dar conta, que ser rico
não é algo bom, que é pecado ou coisa tão ruim que toda pessoa rica só pode ter
cometido muitas falcatruas ou crimes para chegar onde está. Ainda que isso seja
verdade em muitos casos, e principalmente nos últimos anos mais evidentes no
Brasil, todavia não é uma regra em todos os casos. Uma mentira repetida e
registrada ao longo dos anos na mente de alguém, torna-se uma verdade
inquestionável no final.
Quando o apóstolo Paulo se
referiu que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males e que muitos que
buscam a riqueza se destroem no processo a ponto de perder a fé (1 Timóteo
6:10), ele não disse que ser rico é pecado, mas que amar o dinheiro e a riqueza
acima de Deus ou deixar que o dinheiro seja o senhor de nossas vidas é o fator
determinante de nossa destruição.
Porém, no mesmo capítulo,
versículos à frente, ele disse a Timóteo que ordenasse “aos ricos deste mundo”
que colocassem sua inteira confiança em Deus, que tudo nos proporciona
ricamente para a nossa alegria, querendo dizer com isso, sem sombras de
dúvidas, que alguns irmãos alcançaram a riqueza material no mundo, mas que não
deveriam considerar isso mais importante do que a sua fé e confiança no Pai que
abençoa a todos e devem usar sua riqueza, tanto para seu benefício, como para
realizar boas obras e auxiliar os que precisam (1 Timóteo 6:17,18).
Terceiro lugar, Jesus referiu-se
aos pobres de uma forma que ao lermos os textos, fica cristalinamente claro
que, nem ele, nem os apóstolos estavam na mesma condição. Por exemplo, quando
ele fez a declaração: “porque os pobres sempre os tendes convosco; mas a mim
nem sempre me tendes.” (João 12:8), ele disse isso como uma forma de repreensão
a Judas por causa do bálsamo caríssimo que uma Maria derramou sobre ele e que o
discípulo desejava, sem ser verdade, que se fosse vendido para ser distribuído
aos pobres. Está nítido aqui que haviam pessoas pobres e que outros estavam
numa condição de poder auxilia-los.
Em outra ocasião, um homem
riquíssimo veio até Jesus para perguntar sobre como alcançar de fato a vida
eterna. Jesus lhe interroga sobre seu comportamento diante da lei moral de Deus
e o jovem responde que está vivendo de acordo com ela desde a juventude. Então,
o Senhor o leva ao ponto nevrálgico de sua fé: ele deveria abrir mão de toda a
sua riqueza por amor a Deus e dá-la aos pobres. Mas o homem não estava disposto
a fazer esse sacrifício, pois seu coração já possuía um dono: sua própria
riqueza. Na sequência disso, Jesus declara que dificilmente um rico entrará no
reino de Deus, que é mais fácil um camelo passar por uma agulha (linguagem
proverbial para relatar uma impossibilidade) do que alguém que ama a riqueza e
faz dela sua segurança, alcançar a vida eterna. Essa declaração foi chocante
aos próprios discípulos. E tudo isso no mesmo texto (Lucas 18:18-30). Não há
nenhuma indicação aqui, mesmo implícita, de que ser rico é um pecado e que ser
pobre é um estado aceitável, há sim, um questionamento ao coração e à
consciência de um homem que possui recursos, mas não está disposto a cumprir o
desejo de Deus, por amor a Deus, em usar aquilo que possui corretamente.
Quarto lugar. Há o caso de Paulo,
que é, no mínimo, interessante. Podemos ver nos extremos de algumas de suas
palavras. Paulo nos diz que Jesus Cristo se “fez pobre” (2 Coríntios 8:9) para
que fôssemos enriquecidos. Ele fez essa declaração no contexto do levantamento
de uma oferta para os cristãos pobres da Judéia. Não está dito aqui o real
motivo da pobreza que se abateu por lá, se a perseguição romana ou outra coisa,
mas os cristãos que possuíam recursos tinham a responsabilidade de abençoar
materialmente aqueles que estavam em necessidade a fim de que todos pudessem
desfrutar das bênçãos do suprimento (2 Coríntios 8:1-15). Jesus se fez pobre
para que fôssemos supridos com tudo o que precisamos para viver dignamente; foi
um esvaziamento consciente de si mesmo para compartilhar o que possuía conosco,
os que cremos. Uma pobreza que transfere riqueza não é a pobreza que vemos no
mundo.
Paulo também diz que quando
partiu para a missão de evangelizar os gentios, após o concílio de Jerusalém,
ele foi ordenado pelos apóstolos e líderes de lá que não se esquecesse dos
pobres, o que segundo ele mesmo, nunca deixou de fazer (Gálatas 2:1-10). Ora, a
implicação é clara, Paulo não poderia estar na mesma condição dos pobres para
que pudesse ajudá-los. São sempre citadas suas declarações acerca de suas
necessidades enquanto estava realizando a obra de seu chamado (Filipenses 4),
mas Paulo somente teve essas necessidades precisamente porque estava realizando
a empreitada de viajar pelo mundo pregando o evangelho, isso custava caro
naquele tempo, como custa caro fazer isso hoje. Era preciso que alguém ou
alguma igreja lhe desse sustentáculo financeiro. Porém, ele mesmo tinha
profissão, e em muitas ocasiões lançou mão dela para suprir as suas
necessidades e a de seus companheiros (Atos 18:1-3 e 20:32-35).
Ditas estas coisas, passemos ao
texto escolhido para o título deste escrito. Mais uma vez a coleta para os
pobres da Judéia está em foco e os cristãos coríntios deveriam separar sua
oferta no primeiro dia da semana de acordo com o que tivessem prosperado
durante os dias anteriores. Não há como contradizer que é esperado que os
crentes prosperem em algum nível para que possam ajudar os que precisam. Isso
nem deveria ser considerado um ensino na igreja, mas deve ser algo normal no
dia a dia das pessoas.
Quem não deseja melhorar sua
condição de vida? Quem não deseja ter o suficiente para honrar todos os seus
compromissos assumidos e dar uma vida digna à sua família? Desde a Antiga
Aliança, de Calvino e Lutero os demais reformadores, puritanos e até Spurgeon,
ouvimos e lemos que o trabalho e a prosperidade dos cristãos é algo importante,
não somente para si mesmos, como para a própria realização da obra de Deus. Não
há nada que desabone a nossa obtenção de prosperidade a não ser o uso indevido
dela fora dos propósitos de Deus. Ser um cristão próspero não é pecado, ser
egoísta, avarento, não contribuir para o sustento da igreja, para a expansão do
Reino de Deus na terra e não ser generoso é que o é.
Uma das formas de enfrentarmos a
pobreza não é fazer uma falsa distribuição de renda – onde se tira pela força
da Lei ou de impostos o dinheiro dos que possuem a se dá aos que não possuem – isso
não é a solução, aliás, isso é errado e injusto, pois não se pode punir alguém
que trabalhou, estudou, empenhou grandes esforços pessoais para conquistar sua
prosperidade e simplesmente tomar uma parte do fruto de seu trabalho árduo e
dar a qualquer que nada fez para merecer isso. A solução inicial é mudar pela
educação financeira a mente de uma pessoa, ensinando-lhe os caminhos possíveis
para o seu desenvolvimento pessoal e sua ascensão material desde a infância.
Ensinar a poupar, não para os
tempos difíceis, mas para desfrutar a vida, mostrar-lhe os benefícios do planejamento
financeiro a curto e a longo prazo, proporcionar-lhe acesso aos conteúdos que
realmente importam para que viva a vida mais digna possível na perspectiva
financeira e material. Mostrar-lhe os malefícios de uma vida de vícios, gastos
compulsivos, compras com cartão de crédito mau pensadas e de contínuo
entretenimento e coisas semelhantes a essas, que são primordiais na educação
financeira. Também incutir a consciência da importância dos estudos técnicos ou
universitários e do aprimoramento contínuo profissional para se obter melhores
colocações no mercado.
O ponto principal disso tudo é
descontruir a identidade e a mentalidade de vítima que permeia o pensamento da
maioria dos que estão na condição da pobreza. Liberte a mente de uma pessoa e
todas as portas das possibilidades estarão diante dela. Tire dela a mentalidade
de vítima dos outros, da sociedade ou do sistema, e ela se tornará o protagonista
de sua história mais facilmente, sem depender das benesses do Estado ou da
ajuda dos oportunistas.
Concluo dizendo que a mensagem
central do Cristianismo não é a prosperidade pessoal de alguém ou de uma
família, que não é a mensagem do desenvolvimento e aprimoramento humano por
meio das leis, dos direitos ou da iluminação da mente pelo despertar do conhecimento
e da educação, mas a mensagem central é a Teodicéia, ou seja, a história do
relacionamento do Deus Criador com sua criação e com os homens para a redenção
deles, que se concretizou e teve seu ápice no sacrifício de Jesus Cristo, para
a transformação da natureza humana, com o fim de destruir o pecado e o mal a
seu tempo e nos levar a um novo mundo que Ele construirá no final. Essa é a
mensagem: toda a Escritura (1 Timóteo 2:3-6; 2 Timóteo 3:16,17; Apocalipse
21:1-4).
Portanto, pensar em prosperar na vida
e em crescer materialmente é fator constituinte da própria humanidade. Deveria
ser algo comum a todos os homens e mulheres sem barreiras ideológicas,
religiosas ou de sistemas de governos que têm o propósito de inibir o seu
crescimento pessoal. Isso não é uma mensagem cristã ou um tema de ensino para
pregadores e mestres bíblicos, tampouco é um tema que deveria ser usado por
enganadores e oportunistas disfarçados em líderes espirituais, mas é matéria da
vida e deveria ser ministrada por cada pai e mãe, por cada professor ou
professora e por cada um que tem o papel de guiar pessoas nesse plano de
existência. Prosperidade não é uma teologia, é uma necessidade. Prosperidade
não é um ensino, é uma atitude mental. Prosperar não é uma reparação social e
histórica, mas uma intenção de vencer os obstáculos com todos os recursos disponíveis.
Prosperidade não é algo a se temer ou rejeitar, mas um benefício oriundo da
capacidade que brota da imagem e semelhança divinas que nos moldaram, mesmo
quando ainda caídos. Prosperar é cumprir um papel de ser um ajudador daqueles
que ainda não chegaram lá.
Só há uma forma concreta de
auxiliar os pobres, você pode não gostar do que vou dizer, mas é não sendo um.
Apenas uma pessoa que não é pobre pode de fato ajudar os que são, não para que
eles se mantenham em sua pobreza, sempre dependentes, mas para que usem os
recursos a serem disponibilizados com o intuito de não mais estarem nesta
condição. Compartilho, para finalizar, o texto hebraico que deu origem à nossa
ONG:
Pois nunca deixará de haver pobre
na terra; pelo que te ordeno, dizendo: Livremente abrirás a tua mão para o teu
irmão, para o teu necessitado, e para o teu pobre na tua terra.
Deuteronômio
15:11
A pobreza é um resultado, uma
consequência, é um estado mental, um produto do homem. Não é papel divino
resolvê-la aqui. É nosso papel, é nossa responsabilidade. Não podemos fingir
que ela não existe, ficar tentando encontrar os culpados não a soluciona,
ninguém tem a opção de não se envolver, todos devem participar de sua
mitigação. Prosperar é uma escolha, a pobreza é uma condição. O ato de
prosperar é uma emancipação e um empoderamento de si mesmo, a pobreza é uma
cultura de gueto. Toda e qualquer pessoa deste planeta tem em sua constituição
a capacidade de se desenvolver e melhorar a sua vida, só é preciso o estímulo
correto.
Calor Kleber Carvalho,
©
Maio de 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário