quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A PROSPERIDADE E O CRISTIANISMO

 


No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder, conforme tiver prosperado [...].

Paulo de Tarso

1 Coríntios 16:2

 

A sabedoria é um adorno na prosperidade e um refúgio na adversidade.

Aristóteles

 

É necessário colocar algumas coisas primeiramente em foco antes de nos ater ao propósito deste artigo. São necessárias algumas considerações preliminares.

Primeiro lugar, Deus não criou a pobreza ou projetou sua existência em nossas vidas. Assim como a morte, a iniquidade, a corrupção, os homicídios, a perversão sexual e todos os males morais que experimentamos na raça humana e a pobreza são resultados do pecado e da rebeldia do homem contra a vontade de Deus.

A questão da pobreza, assim como a dos outros males, são circunstâncias resultantes que são de nossa responsabilidade cuidar e mitigar pelo simples fato que fomos nós quem as geramos, direta ou indiretamente. Não é papel do Criador resolver esses males, mas do ser humano, pois o próprio homem destrói, abusa, mata, corrompe e escraviza o seu semelhante. A humanidade deve solucionar os problemas que ela causa a si mesma e não o Ser divino. Deus não descerá do céu para resolver as coisas que nós devemos resolver. Não se pode esperar algo assim.

Segundo lugar, a pobreza também é um estado mental induzido e consolidado na mente de certas pessoas pela maneira como foi registrado em seu consciente as definições sobre ela, pelo ambiente no qual cresceu e como foram ensinadas sobre o oposto da pobreza, quais sejam, a riqueza e a prosperidade pessoal. Muitos pensam, sem se dar conta, que ser rico não é algo bom, que é pecado ou coisa tão ruim que toda pessoa rica só pode ter cometido muitas falcatruas ou crimes para chegar onde está. Ainda que isso seja verdade em muitos casos, e principalmente nos últimos anos mais evidentes no Brasil, todavia não é uma regra em todos os casos. Uma mentira repetida e registrada ao longo dos anos na mente de alguém, torna-se uma verdade inquestionável no final.

Quando o apóstolo Paulo se referiu que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males e que muitos que buscam a riqueza se destroem no processo a ponto de perder a fé (1 Timóteo 6:10), ele não disse que ser rico é pecado, mas que amar o dinheiro e a riqueza acima de Deus ou deixar que o dinheiro seja o senhor de nossas vidas é o fator determinante de nossa destruição.

Porém, no mesmo capítulo, versículos à frente, ele disse a Timóteo que ordenasse “aos ricos deste mundo” que colocassem sua inteira confiança em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para a nossa alegria, querendo dizer com isso, sem sombras de dúvidas, que alguns irmãos alcançaram a riqueza material no mundo, mas que não deveriam considerar isso mais importante do que a sua fé e confiança no Pai que abençoa a todos e devem usar sua riqueza, tanto para seu benefício, como para realizar boas obras e auxiliar os que precisam (1 Timóteo 6:17,18).

Terceiro lugar, Jesus referiu-se aos pobres de uma forma que ao lermos os textos, fica cristalinamente claro que, nem ele, nem os apóstolos estavam na mesma condição. Por exemplo, quando ele fez a declaração: “porque os pobres sempre os tendes convosco; mas a mim nem sempre me tendes.” (João 12:8), ele disse isso como uma forma de repreensão a Judas por causa do bálsamo caríssimo que uma Maria derramou sobre ele e que o discípulo desejava, sem ser verdade, que se fosse vendido para ser distribuído aos pobres. Está nítido aqui que haviam pessoas pobres e que outros estavam numa condição de poder auxilia-los.

Em outra ocasião, um homem riquíssimo veio até Jesus para perguntar sobre como alcançar de fato a vida eterna. Jesus lhe interroga sobre seu comportamento diante da lei moral de Deus e o jovem responde que está vivendo de acordo com ela desde a juventude. Então, o Senhor o leva ao ponto nevrálgico de sua fé: ele deveria abrir mão de toda a sua riqueza por amor a Deus e dá-la aos pobres. Mas o homem não estava disposto a fazer esse sacrifício, pois seu coração já possuía um dono: sua própria riqueza. Na sequência disso, Jesus declara que dificilmente um rico entrará no reino de Deus, que é mais fácil um camelo passar por uma agulha (linguagem proverbial para relatar uma impossibilidade) do que alguém que ama a riqueza e faz dela sua segurança, alcançar a vida eterna. Essa declaração foi chocante aos próprios discípulos. E tudo isso no mesmo texto (Lucas 18:18-30). Não há nenhuma indicação aqui, mesmo implícita, de que ser rico é um pecado e que ser pobre é um estado aceitável, há sim, um questionamento ao coração e à consciência de um homem que possui recursos, mas não está disposto a cumprir o desejo de Deus, por amor a Deus, em usar aquilo que possui corretamente.

Quarto lugar. Há o caso de Paulo, que é, no mínimo, interessante. Podemos ver nos extremos de algumas de suas palavras. Paulo nos diz que Jesus Cristo se “fez pobre” (2 Coríntios 8:9) para que fôssemos enriquecidos. Ele fez essa declaração no contexto do levantamento de uma oferta para os cristãos pobres da Judéia. Não está dito aqui o real motivo da pobreza que se abateu por lá, se a perseguição romana ou outra coisa, mas os cristãos que possuíam recursos tinham a responsabilidade de abençoar materialmente aqueles que estavam em necessidade a fim de que todos pudessem desfrutar das bênçãos do suprimento (2 Coríntios 8:1-15). Jesus se fez pobre para que fôssemos supridos com tudo o que precisamos para viver dignamente; foi um esvaziamento consciente de si mesmo para compartilhar o que possuía conosco, os que cremos. Uma pobreza que transfere riqueza não é a pobreza que vemos no mundo.

Paulo também diz que quando partiu para a missão de evangelizar os gentios, após o concílio de Jerusalém, ele foi ordenado pelos apóstolos e líderes de lá que não se esquecesse dos pobres, o que segundo ele mesmo, nunca deixou de fazer (Gálatas 2:1-10). Ora, a implicação é clara, Paulo não poderia estar na mesma condição dos pobres para que pudesse ajudá-los. São sempre citadas suas declarações acerca de suas necessidades enquanto estava realizando a obra de seu chamado (Filipenses 4), mas Paulo somente teve essas necessidades precisamente porque estava realizando a empreitada de viajar pelo mundo pregando o evangelho, isso custava caro naquele tempo, como custa caro fazer isso hoje. Era preciso que alguém ou alguma igreja lhe desse sustentáculo financeiro. Porém, ele mesmo tinha profissão, e em muitas ocasiões lançou mão dela para suprir as suas necessidades e a de seus companheiros (Atos 18:1-3 e 20:32-35).

Ditas estas coisas, passemos ao texto escolhido para o título deste escrito. Mais uma vez a coleta para os pobres da Judéia está em foco e os cristãos coríntios deveriam separar sua oferta no primeiro dia da semana de acordo com o que tivessem prosperado durante os dias anteriores. Não há como contradizer que é esperado que os crentes prosperem em algum nível para que possam ajudar os que precisam. Isso nem deveria ser considerado um ensino na igreja, mas deve ser algo normal no dia a dia das pessoas.

Quem não deseja melhorar sua condição de vida? Quem não deseja ter o suficiente para honrar todos os seus compromissos assumidos e dar uma vida digna à sua família? Desde a Antiga Aliança, de Calvino e Lutero os demais reformadores, puritanos e até Spurgeon, ouvimos e lemos que o trabalho e a prosperidade dos cristãos é algo importante, não somente para si mesmos, como para a própria realização da obra de Deus. Não há nada que desabone a nossa obtenção de prosperidade a não ser o uso indevido dela fora dos propósitos de Deus. Ser um cristão próspero não é pecado, ser egoísta, avarento, não contribuir para o sustento da igreja, para a expansão do Reino de Deus na terra e não ser generoso é que o é.

Uma das formas de enfrentarmos a pobreza não é fazer uma falsa distribuição de renda – onde se tira pela força da Lei ou de impostos o dinheiro dos que possuem a se dá aos que não possuem – isso não é a solução, aliás, isso é errado e injusto, pois não se pode punir alguém que trabalhou, estudou, empenhou grandes esforços pessoais para conquistar sua prosperidade e simplesmente tomar uma parte do fruto de seu trabalho árduo e dar a qualquer que nada fez para merecer isso. A solução inicial é mudar pela educação financeira a mente de uma pessoa, ensinando-lhe os caminhos possíveis para o seu desenvolvimento pessoal e sua ascensão material desde a infância.

Ensinar a poupar, não para os tempos difíceis, mas para desfrutar a vida, mostrar-lhe os benefícios do planejamento financeiro a curto e a longo prazo, proporcionar-lhe acesso aos conteúdos que realmente importam para que viva a vida mais digna possível na perspectiva financeira e material. Mostrar-lhe os malefícios de uma vida de vícios, gastos compulsivos, compras com cartão de crédito mau pensadas e de contínuo entretenimento e coisas semelhantes a essas, que são primordiais na educação financeira. Também incutir a consciência da importância dos estudos técnicos ou universitários e do aprimoramento contínuo profissional para se obter melhores colocações no mercado.

O ponto principal disso tudo é descontruir a identidade e a mentalidade de vítima que permeia o pensamento da maioria dos que estão na condição da pobreza. Liberte a mente de uma pessoa e todas as portas das possibilidades estarão diante dela. Tire dela a mentalidade de vítima dos outros, da sociedade ou do sistema, e ela se tornará o protagonista de sua história mais facilmente, sem depender das benesses do Estado ou da ajuda dos oportunistas.

Concluo dizendo que a mensagem central do Cristianismo não é a prosperidade pessoal de alguém ou de uma família, que não é a mensagem do desenvolvimento e aprimoramento humano por meio das leis, dos direitos ou da iluminação da mente pelo despertar do conhecimento e da educação, mas a mensagem central é a Teodicéia, ou seja, a história do relacionamento do Deus Criador com sua criação e com os homens para a redenção deles, que se concretizou e teve seu ápice no sacrifício de Jesus Cristo, para a transformação da natureza humana, com o fim de destruir o pecado e o mal a seu tempo e nos levar a um novo mundo que Ele construirá no final. Essa é a mensagem: toda a Escritura (1 Timóteo 2:3-6; 2 Timóteo 3:16,17; Apocalipse 21:1-4).

Portanto, pensar em prosperar na vida e em crescer materialmente é fator constituinte da própria humanidade. Deveria ser algo comum a todos os homens e mulheres sem barreiras ideológicas, religiosas ou de sistemas de governos que têm o propósito de inibir o seu crescimento pessoal. Isso não é uma mensagem cristã ou um tema de ensino para pregadores e mestres bíblicos, tampouco é um tema que deveria ser usado por enganadores e oportunistas disfarçados em líderes espirituais, mas é matéria da vida e deveria ser ministrada por cada pai e mãe, por cada professor ou professora e por cada um que tem o papel de guiar pessoas nesse plano de existência. Prosperidade não é uma teologia, é uma necessidade. Prosperidade não é um ensino, é uma atitude mental. Prosperar não é uma reparação social e histórica, mas uma intenção de vencer os obstáculos com todos os recursos disponíveis. Prosperidade não é algo a se temer ou rejeitar, mas um benefício oriundo da capacidade que brota da imagem e semelhança divinas que nos moldaram, mesmo quando ainda caídos. Prosperar é cumprir um papel de ser um ajudador daqueles que ainda não chegaram lá.

Só há uma forma concreta de auxiliar os pobres, você pode não gostar do que vou dizer, mas é não sendo um. Apenas uma pessoa que não é pobre pode de fato ajudar os que são, não para que eles se mantenham em sua pobreza, sempre dependentes, mas para que usem os recursos a serem disponibilizados com o intuito de não mais estarem nesta condição. Compartilho, para finalizar, o texto hebraico que deu origem à nossa ONG:

 

Pois nunca deixará de haver pobre na terra; pelo que te ordeno, dizendo: Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado, e para o teu pobre na tua terra.

Deuteronômio 15:11

 

A pobreza é um resultado, uma consequência, é um estado mental, um produto do homem. Não é papel divino resolvê-la aqui. É nosso papel, é nossa responsabilidade. Não podemos fingir que ela não existe, ficar tentando encontrar os culpados não a soluciona, ninguém tem a opção de não se envolver, todos devem participar de sua mitigação. Prosperar é uma escolha, a pobreza é uma condição. O ato de prosperar é uma emancipação e um empoderamento de si mesmo, a pobreza é uma cultura de gueto. Toda e qualquer pessoa deste planeta tem em sua constituição a capacidade de se desenvolver e melhorar a sua vida, só é preciso o estímulo correto.

 

 

Calor Kleber Carvalho,

© Maio de 2018

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