domingo, 18 de junho de 2023

Sábado ou Domingo? O Dia do Senhor


 

Sábado ou Domingo? O Dia do Senhor

Utilizo deste texto para demonstrar o quão antiga é essa discussão e como não é algo que pode ser resolvido nas redes sociais, em podcasts ou por teólogos de YouTube.

 

A frase "o dia do Senhor" (gr. te kyriakē hēmera) ocorre uma só vez, e isto se dá no último livro do Novo Testamento (Ap 1.10). Seu significado é debatido. Alguns a interpretam como uma referência ao dia escatológico do Senhor. Para outros, refere-se ao Domingo da Páscoa. A maioria, no entanto, entende que se trata de uma referência ao primeiro dia da semana, o domingo.

 

Referências posteriores na literatura cristã primitiva em que o adjetivo (gr.kyriake) era usado sozinho parecem apoiar isto. Inácio, bispo de Antioquia, escreveu aos magnésios por volta de 115 d.C., conclamando-os a "já não viverem pelo sábado mas pelo dia do Senhor (gr. kyriakën], sendo que neste dia ressuscitou a nossa vida" (9.1). Num manual antigo de instrução eclesiástica, o Didaquê (c. de 120 d.c), os cristãos eram dirigidos a se reunirem para adorar no Dia do Senhor (14.1). Segundo o Evangelho de Pedro, apócrifo (c. de 130 d.C.) na noite anterior ao Dia do Senhor a pedra foi rolada para longe do túmulo (9.35). Na aurora do mesmo dia (gr. orthrou de tes kyriakes) o túmulo vazio foi visitado pelas mulheres (12.50). A atração da frase era, no mínimo, dupla. Expressava a convicção cristã de que o domingo era o dia da ressurreição, quando Cristo Jesus conquistou a morte e se tornou Senhor de todos (Ef 1.20-22; 1 Pe 3.21-22) e um dia que previa a volta daquele mesmo Senhor. para consumar a Sua vitória (1Co 15.23-28, 54-57).

 

No NT, o domingo era geralmente designado como "o primeiro dia da semana (gr. mia sabbaton, e.g., Mt 28.1; Mc 16.2; Lc 24.1; Jo 20.1). O termo "sábado"'(gr. sabbatön) referia-se tanto ao sétimo dia da semana, o sábado, como à semana de sete dias na sua totalidade. Visto que somente o sábado tinha um nome específico, os demais dias da semana eram distinguidos por números ordinais, sendo que o domingo era "o primeiro".

 

O termo "dia do sol" (gr. heliou hêmera; nome correspondente a "domingo" em muitos idiomas), nunca usado pelos escritores do NT, apareceu pela primeira vez na literatura cristá na obra de Justino (c. de 150 d.C.; Primeira Apologia 67.3), que seguiu o calendário romano. O nome "dia do sol" veio aos romanos através dos egípcios, que já em tempos antigos adotavam uma semana de dias que tinham os nomes do sol, da lua e de cinco planetas. Para os romanos, o primeiro dia da semana era o dia do sol (lat. dies solis). Com o passar do tempo, no entanto, a designação cristã dominical) veio a substituir o termo '"o Dia do Senhor" (lat. dies "dia do sol" em todo o Império Romano. As línguas neolatinas, desenvolvidas do latim comum, refletem esta mudança, e chamam o primeiro dia da semana de domingo (português e espanhol), domenica (italiano) e dimanche (francês).

 

A Prática Primitiva. O fato de que a igreja primitiva se reunia habitualmente aos domingos durante a era do NT não pode ser demonstrado de modo inequívoco. Duas referências no NT, no entanto, sugerem que isto acontecia. Paulo reuniu-se com a igreja em Trôade (At 20.7) no primeiro dia da semana, numa reunião que parecia ser regular, embora prolongada. Além disso, ordenou que a igreja em Corinto fizesse sua coleta para os necessitados num domingo (1 Co 16.2), prática esta que, provavelmente, mas não necessariamente, coincidia com a reunião da igreja. Se estas reuniões começavam segundo o plano judaico de calcular os dias (de um pôr do sol até o outro), no final da tarde do sábado, ou segundo o plano romano (de meia-noite a meia-noite), num domingo, também é debatível, mas a última probabilidade é maior. Segundo Plínio, um governador romano da Ásia Menor (c. de 95-110), os cristãos reuniam-se ao alvorecer de um dia regularmente estabelecido (lat. stato die) para adorar a Cristo, e depois tinham uma reunião posterior no mesmo dia para tomar uma refeição (Carta a Trajano 10.96.7), prática esta que reconhecia o dia romano. Os cristãos em Corinto, de modo semelhante, reuniam-se para uma refeição comunitária que incluía a observância da Ceia do Senhor (1 Co11.17-34). Não se pode determinar se havia reuniões de manhã e de tarde. Se os comentários subsequentes de Paulo a respeito da adoração (1 Co14.26-40) visavam conformar a prática corintia àquela que estava em vigor em outros lugares (cf. 14.33), logo, a reunião de domingo também era marcada por uma participação congregacional considerável, incluindo-se os cânticos, as orações e a proclamação. Segundo Justino (Primeira Apologia 673-6), os cultos de domingo incluíam a leitura das Escrituras, a exortação, as orações coletivas e individuais, a Ceia do Senhor e uma coleta.

 

A Teologia do Dia do Senhor. Não se sabe quando a igreja primitiva começou os cultos aos domingos. Os escritores do NT sequer oferecem uma base lógica para a mudança l das reuniões da observância do Dia do Senhor do sábado para o domingo, mas vários fatores podem ser sugeridos. (1) O sétimo dia, o sábado, já não era considerado um dia a ser especialmente observado pela adoração e pelo descanso do serviço (Rm 14.5-6; GI 4.8-11; CI 2.16-17; cf. At 15.28-29). (2) O evento da ressurreição, central no evangelho cristão (e.g, At 2.31; 4.2, 10, 33; 10.40; 13.33-37; 17.18; Rm 10.9; 1 Co 15.4, 12-19; 1 Ts1.10), ocorreu num domingo. (3) Quando os escritores do NT designaram os vários dias em que o Cristo ressurreto apareceu e falou aos Seus discípulos, referiram-se uniformemente a domingos (e.g., Mt 28.9; Lc 24.13-34; Jo 20.19, 26). (4) A vinda do Espirito Santo (At 2) ocorreu no Dia do Pentecoste, num domingo. (5) Depois da era do NT, o primeiro e o "oitavo" dia da semana (dois domingos) eram mencionados respectivamente como o dia da criação divina (Justino: Primeira Apologia 67.7) e o dia que antecipava a nova criação ou a eternidade (Barnabé 15.9; cf. 2 Enoque 33.7). O domingo, portanto, era visto como as "'primícias" do estado futuro eterno (cf. 1 Co 15.20). Além disso, talvez os cristãos esperassem a volta do Senhor no Seu dia (cf. Lc 12.35-36).

 

Por trás de cada uma destas razões, no entanto, pode ter havido o desejo da igreja primitiva de se distinguir do judaísmo e das suas observâncias sabáticas distintivas.

 

Carlos Carvalho

Teólogo.

 Bibliografia:

 CHAMPLIN, Russel Norman, 1993/ O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo: vol.1: Mateus, Marcos/ Russel Norman Champlin – Sâo Paulo: Hagnos, 2002

 COENEN & BROWN. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento / Collin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordon Chown]. – 2.ed. – São Paulo: Vida Nova, 2000.

 ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-teológica da Igreja Cristã. Walter A. Elwell. – [tadução Gordon Chown] – São Paulo: Vida Nova, 1988.

 HAUBECK & SIEBENTHAL – Nova Chave Linguística do Novo Testamento Grego / Wilfrid Haubeck, Heinrich von Siebenthal |trad. Nélio Schneider|Sâo Paulo: Hagnos e Targumim, 2010

 TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento: sua origem e análise / Merrill C. Tenney: [tradução Antônio Fernandes]. –3.ed. – São Paulo: Vida Nova, 1995.

 VINE – Dicionário Vine/ W.E.Vine – Rio de Janeiro: CPAD, 2002

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