sexta-feira, 3 de outubro de 2025

 


O Direito à Defesa da Vida à Luz da Teologia Cristã e das Leis Contemporâneas

 

A vida é considerada, tanto no âmbito teológico quanto no jurídico, o bem maior concedido ao ser humano. Na tradição bíblica, desde o Antigo Testamento, a vida é vista como dom sagrado de Deus, pois está escrito: *“Não matarás”* (Êxodo 20:13, BÍBLIA, 1993). No entanto, as Escrituras também reconhecem a realidade de situações extremas em que a defesa da vida se faz necessária. O livro de Neemias mostra o povo empunhando a espada com uma mão e construindo com a outra, em legítima defesa contra ataques (Neemias 4:17-18, BÍBLIA, 1993). Essa tensão entre preservar a vida e responder à violência atravessa os séculos e fundamenta reflexões sobre a legítima defesa na ética cristã.

 

No Novo Testamento, Jesus Cristo ensina o caminho do amor e da reconciliação, valorizando a paz como a mais alta expressão da vida espiritual (STOTT, 2003). Porém, Ele não nega a realidade da violência no mundo. Em Lucas 22:36, ao advertir seus discípulos sobre tempos de hostilidade, afirma: *“quem não tiver espada, venda a sua capa e compre uma”* (BÍBLIA, 1993). Esse versículo não legitima a violência gratuita, mas reconhece que, diante de agressões inevitáveis, a preservação da vida é um dever moral. A autodefesa, nesse contexto, não é vingança, mas a proteção de um dom divino (AGOSTINHO, 1990; CALVINO, 2009).

 

No campo jurídico, a Constituição Federal do Brasil assegura a inviolabilidade do direito à vida (BRASIL, 1988), e o Código Penal, em seu artigo 25, define que não há crime quando alguém repele injusta agressão, atual ou iminente, usando moderadamente os meios necessários (BRASIL, 1940). Essa definição reflete o princípio da proporcionalidade, próximo da ética cristã e da filosofia moral tomista (O DIREITO E EU, 2019). A lei reconhece que, em circunstâncias extremas, a reação pode até resultar na morte do agressor, sem que isso configure homicídio doloso (BATISTA, 2024). Assim, justiça moderna e princípios bíblicos convergem na preservação do bem maior: a vida inocente.

 

A teologia cristã, tanto antiga quanto contemporânea, entende que a vida do agressor também possui valor diante de Deus, o que exige cautela e proporcionalidade. Santo Agostinho, em *A Cidade de Deus*, já argumentava que o uso da força só é legítimo quando necessário para conter o mal (AGOSTINHO, 1990). João Calvino reforça em suas *Institutas* que o governante, e também o cidadão, têm o dever de resistir ao mal de forma justa (CALVINO, 2009). Em perspectiva mais recente, o Papa Francisco advertiu que a legítima defesa não pode se converter em violência excessiva, a qual seria uma forma de execução ilegal (PAPA FRANCISCO, 2018). Portanto, fé e lei exigem discernimento ético diante da defesa da vida.

 

Assim, unir teologia bíblica e direito contemporâneo mostra que a defesa pessoal, mesmo em casos extremos, é legítima diante de Deus e dos homens. Quando inevitável for a morte do agressor, tal ato não se configura como desejo humano, mas como consequência trágica de sua própria agressão (TEIXEIRA, 2014; TJDFT, 2025). Cabe ao cristão compreender que proteger a si e aos seus é preservar a imagem de Deus (GODOY; MELLO, 2016). Dessa forma, fé e lei convergem em um mesmo propósito: honrar a vida, repelir o mal e manter a justiça como fundamento de uma sociedade humana e espiritual.

 

Prof. Bp. Carlos Carvalho

3 de outubro de 2025

 

Referências

 

1. Bíblia

BÍBLIA. Português. Almeida Revista e Atualizada. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

 

2. Legislação Brasileira

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: [https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm](https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm). Acesso em: 3 out. 2025.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: [https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm](https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm). Acesso em: 3 out. 2025.

 

3. Teologia Clássica e História da Igreja

 

AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 1990.

 

CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

 

STOTT, John. Cristianismo Básico. 4. ed. São Paulo: ABU Editora, 2003.

 

4. Estudos Teológicos Contemporâneos

 

AZPITARTE, Eduardo. Os desafios atuais das ciências à teologia moral. *Perspectiva Teológica*, v. 19, n. 48, 1987. Disponível em: [https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1705/0](https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1705/0). Acesso em: 3 out. 2025.

 

PAPA FRANCISCO. A legítima defesa não é um direito, e a violência excessiva é execução ilegal. *IHU Unisinos*, 2018. Disponível em: [https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/585620](https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/585620). Acesso em: 3 out. 2025.

 

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Estado e religião: o direito constitucional brasileiro e o cristianismo: inventário de possibilidades especulativas, históricas e instrumentais. *Revista Brasileira de Políticas Públicas*, v. 6, n. 3, p. 329-358, 2016. Disponível em: [https://www.gti.uniceub.br/RBPP/article/download/4430/pdf](https://www.gti.uniceub.br/RBPP/article/download/4430/pdf). Acesso em: 3 out. 2025.

 

5. Direito Penal e Jurisprudência

 

BATISTA, Andrey de Sousa. Análise de doutrinas, jurisprudência sobre legítima defesa em crimes de homicídio. *Revista FT*, v. 28, ed. 134, 31 maio 2024. Disponível em: [https://revistaft.com.br/analise-de-doutrinas-jurisprudencia-sobre-legitima-defesa-em-crimes-de-homicidio/](https://revistaft.com.br/analise-de-doutrinas-jurisprudencia-sobre-legitima-defesa-em-crimes-de-homicidio/). Acesso em: 3 out. 2025.

 

TEIXEIRA, Francisco Wandier. Legítima Defesa da Atuação Policial. Monografia (Especialização em Direito Penal e Processo Penal) – Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2014. Disponível em: [https://mpce.mp.br/wp-content/uploads/2018/07/Leg%C3%ADtima-Defesa-da-Atua%C3%A7%C3%A3o-Policial.pdf](https://mpce.mp.br/wp-content/uploads/2018/07/Leg%C3%ADtima-Defesa-da-Atua%C3%A7%C3%A3o-Policial.pdf). Acesso em: 3 out. 2025.

 

O DIREITO E EU. Legítima Defesa: A filosofia moral tomista acerca do direito penal contemporâneo. *O Direito e Eu*, dez. 2019. Disponível em: [https://www.odireitoeeu.com/2019/12/09/legitima-defesa-a-filosofia-moral-tomista-acerca-do-direito-penal-contemporaneo/](https://www.odireitoeeu.com/2019/12/09/legitima-defesa-a-filosofia-moral-tomista-acerca-do-direito-penal-contemporaneo/). Acesso em: 3 out. 2025.

 

REVISTA MINERVA. O Direito (Jurídico) de Resistência: legítima defesa e dever de resistência à luz da positivação jurídica. Disponível em: [https://www.revistaminerva.pt/o-direito-de-resistencia-a-luz-da-sua-positivacao-juridica/](https://www.revistaminerva.pt/o-direito-de-resistencia-a-luz-da-sua-positivacao-juridica/). Acesso em: 3 out. 2025.

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS – TJDFT. Jurisprudência em temas: causas de exclusão da ilicitude – legítima defesa. Disponível em: [https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/causas-de-exclusao-da-ilicitude/legitima-defesa](https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/causas-de-exclusao-da-ilicitude/legitima-defesa). Acesso em: 3 out. 2025.

 

JUSBRASIL. Jurisprudência sobre legítima defesa. Disponível em: [https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=leg%C3%ADtima+defesa](https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=leg%C3%ADtima+defesa). Acesso em: 3 out. 2025.

 

 

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