O Direito à Defesa da Vida à Luz da Teologia Cristã e das
Leis Contemporâneas
A vida é considerada, tanto no âmbito teológico quanto no
jurídico, o bem maior concedido ao ser humano. Na tradição bíblica, desde o
Antigo Testamento, a vida é vista como dom sagrado de Deus, pois está escrito:
*“Não matarás”* (Êxodo 20:13, BÍBLIA, 1993). No entanto, as Escrituras também
reconhecem a realidade de situações extremas em que a defesa da vida se faz
necessária. O livro de Neemias mostra o povo empunhando a espada com uma mão e
construindo com a outra, em legítima defesa contra ataques (Neemias 4:17-18,
BÍBLIA, 1993). Essa tensão entre preservar a vida e responder à violência
atravessa os séculos e fundamenta reflexões sobre a legítima defesa na ética
cristã.
No Novo Testamento, Jesus Cristo ensina o caminho do amor e
da reconciliação, valorizando a paz como a mais alta expressão da vida
espiritual (STOTT, 2003). Porém, Ele não nega a realidade da violência no
mundo. Em Lucas 22:36, ao advertir seus discípulos sobre tempos de hostilidade,
afirma: *“quem não tiver espada, venda a sua capa e compre uma”* (BÍBLIA,
1993). Esse versículo não legitima a violência gratuita, mas reconhece que,
diante de agressões inevitáveis, a preservação da vida é um dever moral. A autodefesa,
nesse contexto, não é vingança, mas a proteção de um dom divino (AGOSTINHO,
1990; CALVINO, 2009).
No campo jurídico, a Constituição Federal do Brasil assegura
a inviolabilidade do direito à vida (BRASIL, 1988), e o Código Penal, em seu
artigo 25, define que não há crime quando alguém repele injusta agressão, atual
ou iminente, usando moderadamente os meios necessários (BRASIL, 1940). Essa
definição reflete o princípio da proporcionalidade, próximo da ética cristã e
da filosofia moral tomista (O DIREITO E EU, 2019). A lei reconhece que, em
circunstâncias extremas, a reação pode até resultar na morte do agressor, sem
que isso configure homicídio doloso (BATISTA, 2024). Assim, justiça moderna e
princípios bíblicos convergem na preservação do bem maior: a vida inocente.
A teologia cristã, tanto antiga quanto contemporânea,
entende que a vida do agressor também possui valor diante de Deus, o que exige
cautela e proporcionalidade. Santo Agostinho, em *A Cidade de Deus*, já
argumentava que o uso da força só é legítimo quando necessário para conter o
mal (AGOSTINHO, 1990). João Calvino reforça em suas *Institutas* que o
governante, e também o cidadão, têm o dever de resistir ao mal de forma justa
(CALVINO, 2009). Em perspectiva mais recente, o Papa Francisco advertiu que a
legítima defesa não pode se converter em violência excessiva, a qual seria uma
forma de execução ilegal (PAPA FRANCISCO, 2018). Portanto, fé e lei exigem
discernimento ético diante da defesa da vida.
Assim, unir teologia bíblica e direito contemporâneo mostra
que a defesa pessoal, mesmo em casos extremos, é legítima diante de Deus e dos
homens. Quando inevitável for a morte do agressor, tal ato não se configura
como desejo humano, mas como consequência trágica de sua própria agressão
(TEIXEIRA, 2014; TJDFT, 2025). Cabe ao cristão compreender que proteger a si e
aos seus é preservar a imagem de Deus (GODOY; MELLO, 2016). Dessa forma, fé e
lei convergem em um mesmo propósito: honrar a vida, repelir o mal e manter a
justiça como fundamento de uma sociedade humana e espiritual.
Prof. Bp. Carlos Carvalho
3 de outubro de 2025
Referências
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BÍBLIA. Português. Almeida
Revista e Atualizada. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
2. Legislação Brasileira
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Disponível em:
[https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm](https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm).
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de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
31 dez. 1940. Disponível em:
[https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm](https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm).
Acesso em: 3 out. 2025.
3. Teologia Clássica e
História da Igreja
AGOSTINHO, Santo. A cidade de
Deus. São Paulo: Paulus, 1990.
CALVINO, João. As Institutas
da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
STOTT, John. Cristianismo
Básico. 4. ed. São Paulo: ABU Editora, 2003.
4. Estudos Teológicos
Contemporâneos
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desafios atuais das ciências à teologia moral. *Perspectiva Teológica*, v. 19,
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[https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1705/0](https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/view/1705/0).
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PAPA FRANCISCO. A legítima
defesa não é um direito, e a violência excessiva é execução ilegal. *IHU
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Acesso em: 3 out. 2025.
GODOY, Arnaldo Sampaio de
Moraes; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Estado e religião: o direito
constitucional brasileiro e o cristianismo: inventário de possibilidades
especulativas, históricas e instrumentais. *Revista Brasileira de Políticas
Públicas*, v. 6, n. 3, p. 329-358, 2016. Disponível em:
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5. Direito Penal e
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Disponível em: [https://mpce.mp.br/wp-content/uploads/2018/07/Leg%C3%ADtima-Defesa-da-Atua%C3%A7%C3%A3o-Policial.pdf](https://mpce.mp.br/wp-content/uploads/2018/07/Leg%C3%ADtima-Defesa-da-Atua%C3%A7%C3%A3o-Policial.pdf).
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(Jurídico) de Resistência: legítima defesa e dever de resistência à luz da
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JUSBRASIL. Jurisprudência
sobre legítima defesa. Disponível em:
[https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=leg%C3%ADtima+defesa](https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=leg%C3%ADtima+defesa).
Acesso em: 3 out. 2025.
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